A objetificação dos fenômenos humanos: um olhar à luz de Winnicott e Heidegger
DOI:
https://doi.org/10.59539/2175-2834-v17n1-122Keywords:
objetificação; Heidegger; Winnicott.Abstract
No texto A época das imagens de mundo o filósofo Martin Heidegger nos indica que a representação científica não se reduz a uma mera apreensão do que se apresenta, ao invés, equivale a uma investigação que faz com que o ente se domestique às regras de apreensão, posto que “o ataque das regras domina”. Estas regras governam o modo como a ciência natural deve acessar os fenômenos. O que está implicado na eleição da representação científico-natural como índice hegemônico de acesso ao real é a execução do que Heidegger denomina de processo de objetificação (Vergegenständlichung). Na obra Seminários de Zollikon, o filósofo problematiza o tributo que as ciências dos fenômenos psíquicos pagam à lógica da pesquisa científico-natural e afirma que Freud, ao pensar o psiquismo como um aparelho regido por forças pulsionais, destina aos fenômenos humanos pretensões de objetividade afinadas às ciências da natureza. Com esse trabalho pretendemos indicar que Winnicott, ao formular a teoria do amadurecimento pessoal, não faz coro às pretensões objetificantes da ciência natural. Para Winnicott, a psicanálise tradicional serve-se de categorias que são incapazes de descrever as trocas que se estabelecem entre um bebê e o ambiente que lhe provê cuidados, afinal, reduz sua análise ao campo das relações libidinais. Posto que não é possível versar sobre o amadurecer humano munido com uma semântica que segue padrões objetificantes Winnicott, no texto O recém-nascido e sua mãe, afirma: “não posso sacrificar um paciente sobre o altar da ciência”. Visamos, com esse artigo, indicar que Winnicott não faz coro ao imperativo naturalista que reduz o real ao objetificável e estabelece a física como a ciência emblemática. Pleiteamos, ainda, tematizar o quanto as ponderações de Heidegger e Winnicott em relação ao acesso aos fenômenos humanos nos permitem discutir o contemporâneo e avassalador processo de medicalização do cotidiano.References
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