Uma patologia cultural da modernidade: Freud e o “doutor” Dostoiévski
Abstract
Resumo: No antepenúltimo parágrafo de “O mal-estar na civilização”, Freud sugere que, apesar de todas as dificuldades, poderíamos esperar que um dia alguém se aventurasse na elaboração de uma patologia das comunidades culturais. Embora Freud considerasse Dostoiévski como um artista que em estatura não estaria muito atrás do próprio Shakespeare e cujo romance Os irmãos Karamázov seria o mais formidável romance jamais escrito, para ele, dada a severidade da patologia psíquica desse escritor, a humanidade pouco lhe teria a agradecer: ao invés de mestre libertador da humanidade, Dostoiévski teria tomado partido dos seus opressores. No presente artigo, pretendemos investigar o motivo da generalização das doenças psíquicas no universo dostoiévskiano e sugerir, valendo-nos da terminologia freudiana, que justamente o russo, demasiadamente russo Dostoiévski, seria aquele que, como desejara Freud, elaborou a patologia cultural característica à modernidade.Palavras-chave: Freud; Dostoiévski; modernidade; Supereu; Supereu da cultura. Abstract: In the antepenultimate paragraph of “Civilization and its Discontents”, Freud suggests that, despite all difficulties, we may expect that one day someone will venture to develop a pathology of cultural communities. Although Freud had considered Dostoevsky as an artist whose place was not far behind Shakespeare himself, and whose masterpiece, The Karamazov Brothers, was the most formidable novel ever written, because of the severity of psychic pathology of this writer, humanity will have a little to thank him for. Instead of making himself a liberator of humanity, Dostoevsky sided with his oppressors. In this article, we are willing to investigate the reason for the generalization of mental illness in the Dostoevskian universe, and to suggest that, through Freud's terminology itself, the Russian, all too Russian Dostoyevsky is the one who that develops such a cultural pathology characteristic of modernity.Keywords: Freud; Dostoevsky; modernity; superego; cultural superego.References
Amâncio, E. J., Zymberg, S. T., & Pires, M. F. C. (1994). Epilepsia do lobo temporal e aura com alegria e prazer: relato de dois casos e revisão de literatura. Arquivos de Neuro-psiquiatria, 52, 252-259.
Bakhtin, M. (1981). Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
Dostoiévski, F. M. (1973). The unpublished Dostoevsky: diaries and notebooks (Vol. 1). Ann Arbor: Ardis Publishers.
Dostoiévski, F. M. (1990). Fyodor Dostoevsky Complete Letters: volume three 1868-1871 (David A. Lowe, Trad.). Nova York: Ardis Publishers.
Dostoiévski, F. M. (1997). A writer’s diary. Volume two 1877-1881. Illinois: Northwestern University Press.
Dostoiévski, F. M. (2000). Memórias do subsolo. São Paulo: Editora 34.
Dostoiévski, F. M. (2001). Crime e castigo. São Paulo: Editora 34.
Dostoiévski, F. M. (2004). Os demônios. São Paulo: Editora 34.
Dostoiévski, F. M. (2008). Os irmãos Karamázov. São Paulo: Editora 34.
Dostoiévski, F. M. (2011). O duplo: poema petersburguense. São Paulo: Editora 34.
Freud, S. (1978). Esboço de Psicanálise. In S. Freud, Os pensadores: Freud. (José Octávio de Aguiar Abreu, Trad., pp. 195-246). São Paulo: Abril Cultural. (Trabalho original publicado em 1940).
Freud, S. (1992). Letters of Sigmund Freud (Tania Stern, James Stern, Trad.). Nova York: Dover Publications.
Freud, S. (2010). O mal-estar na civilização. In S. Freud. O mal-estar na civilização: Novas conferências introdutórias e outros textos (Paulo César de Souza, Trad., Vol. 18, pp. 9-89). São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1930).
Freud, S. (2011). O Eu e o Id. In S. Freud, O eu e o Id, “autobiografia” e outros textos (Paulo César de Souza, Trad., Vol. 16, pp. 9-64). São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1923).
Freud, S. (2014a). O futuro de uma ilusão. In S. Freud. Inibição, sintoma e angústia: o futuro de uma ilusão e outros textos (Paulo César de Souza, Trad., Vol. 17, pp. 187-243). São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1927).
Freud, S. (2014b). Dostoiévski e o parricídio. In S. Freud, Inibição, sintoma e angústia: o futuro de uma ilusão e outros textos (Paulo César de Souza, Trad., Vol. 17, pp. 275-295). São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1928).
Freud, S. (2014c). Apêndice: Carta a Theodor Reik. In S. Freud, O futuro de uma ilusão e outros textos. (Paulo César de Souza, Trad., Vol. 17, pp. 296-297). São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho original escrito em 1929).
Frank, J. (2000). Dostoiévski: os anos de provação, 1850-1859. São Paulo: Edusp.
Frank, J. (2008). Dostoiévski: as sementes da revolta, 1821-1849. São Paulo: Edusp.
Jackson, R. L. (1966). Dostoevsky’s quest for form: a study in his philosophy of art. New Have e Londres: Yale University Press.
Liérmontov, M. (1999). O herói do nosso tempo. São Paulo: Martins Fontes.
Moser, C. A. (1982). Dostoevsky and the aesthetics of journalism. Dostoevsky’s Studies. 3, 27-42.
Nietzsche, F. (1998). Genealogia da moral: uma polêmica. São Paulo: Companhia das Letras.
Nietzsche, F. (2001). A gaia ciência. São Paulo: Companhia das Letras.
Nietzsche, F. (2008). Fragmentos Póstumos (1885-1889). Volumen IV. Madri: Tecnos.
Rank, O. (2013). O duplo: um estudo psicanalítico. Porto Alegre: Dublinense.
Ward, B. K. (1986). Dostoevsky’s critique of the West: the quest for the earthly paradise. Waterloo: Wilfrid Laurier Univ. Press.
Zweig, S. (1951). Os construtores do mundo: três mestres (Balzac, Dickens, Dostoiewsky). Porto: Livraria Civilização.